sexta-feira, 3 de maio de 2013

Clarice Lispector

(www.citador.pt):

Eu Sou Nostálgica DemaisDe súbito a estranheza. Estranho-me como se uma câmera de cinema estivesse filmando meus passos e parasse de súbito, deixando-me imóvel no meio de um gesto: presa em flagrante. Eu? Eu sou aquela que sou eu? Mas isto é um doido faltar de sentido! Parte de mim é mecânica e automática — é neurovegetativa, é o equilíbrio entre não querer e o querer, do não poder e de poder, tudo isso deslizando em plena rotina do mecanicismo. A câmera fotográfica singularizou o instante. E eis que automaticamente saí de mim para me captar tonta de meu enigma, diante de mim, que é insólito e estarrecedor por ser extremamente verdadeiro, profundamente vida nua amalgamada na minha identidade. E esse encontro da vida com a minha identidade forma um minúsculo diamante inquebrável e radioso indivisível, um único átomo e eu toda sinto o corpo dormente como quando se fica muito tempo na mesma posição e a perna de repente fica «esquecida». 
Eu sou nostálgica demais, pareço ter perdido uma coisa não se sabe onde e quando. 

Clarice Lispector, in 'Um Sopro de Vida' 

quarta-feira, 27 de março de 2013

Falando sobre o ♥ #1

 
Vi chegar perto de ti uma demência de coração sofrido, de alma perdida entre os tropeços da memória: é tão complicado amar como tu amas alguém; tão doce e incapaz, tão única como uma melancólica e peculiar tristeza. E esses espelhos que alcanças dentro de ti, sofridos, refletem a tua incompreensível forma de amar; a tua voz petrífica que não quer falar e não me deixa ir onde quero, me prende com todas as forças. É o amor, acho.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Amendoas Amargas

Á muito tempo que eu não escrevo no blog. Peço desculpa aos meus 20 seguidores... :) Este texto foi escrito mesmo agora, á pressa, portanto peço desculpa caso ele não pareça com sentido.


    Cheira a amêndoas amargas no quarto. Dentro dele, debruçado sobre a cama quente, está ele, o meu rapaz. Como dizia Gabriel Garcia Marquéz no seu livro, o cheiro das amêndoas amargas recordava sempre, a Juvenal Urbino, o destino dos amores contrariados.
E talvez naquele quarto, obsoleto e pálido, estivesse a enfermidade do nosso amor, o desperdício dos dias contados, tempestades de cóleras emocionais, uivos de sereia imaculada no gesticular do rapaz.
As noites também elas eram contadas, por mim. E fui contando todas as noites em que ele não saía do quarto, todas as noite em que me hesitava na penumbra olhando as estrelas, todas as noites em que deixava pelo largo caminho da tristeza apenas o silêncio.
Pedia-lhe que desabafasse comigo.
- Tens algum problema? Eu amo-te! Porque não me abraças? - Chorava. - Eu amo-te, e tu sabes disso. Somos um só... tu próprio o disseste um dia! - Soluçava.

Ele lá cedia um sorriso quebrado, entre outros peculiares dele, e perdoava-me desta maneira. Eu desculpava-me dizendo as verdades: que o amava, que eu lhe pertencia, como uma perola pertence a uma concha ou como o sapatinho de cristal pertence á Cinderela.


Espero terem gostado do texto. Comentem e me sigam. Ah! Não o copiem, pelo menos sem minha permissão.

domingo, 30 de dezembro de 2012

Pablo Neruda - Se me esqueceres




Quero que saibas
uma coisa.

Sabes como é:
se olho
a lua de cristal, o ramo vermelho
do lento outono à minha janela,
se toco
junto do lume
a impalpável cinza
ou o enrugado corpo da lenha,
tudo me leva para ti,
como se tudo o que existe,
aromas, luz, metais,
fosse pequenos barcos que navegam
até às tuas ilhas que me esperam.

Mas agora,
se pouco a pouco me deixas de amar
deixarei de te amar pouco a pouco.

Se de súbito
me esqueceres
não me procures,
porque já te terei esquecido.

Se julgas que é vasto e louco
o vento de bandeiras
que passa pela minha vida
e te resolves
a deixar-me na margem
do coração em que tenho raízes,
pensa
que nesse dia,
a essa hora
levantarei os braços
e as minhas raízes sairão
em busca de outra terra.

Porém
se todos os dias,
a toda a hora,
te sentes destinada a mim
com doçura implacável,
se todos os dias uma flor
uma flor te sobe aos lábios à minha procura,
ai meu amor, ai minha amada,
em mim todo esse fogo se repete,
em mim nada se apaga nem se esquece,
o meu amor alimenta-se do teu amor,
e enquanto viveres estará nos teus braços
sem sair dos meus.

Pablo Neruda, in "Poemas de Amor de Pablo Neruda"

domingo, 18 de novembro de 2012

domingo, 4 de novembro de 2012

Dúvida


Me pergunto todos os dias: de que é que sou feita? Talvez de sonhos, talvez apenas só de água. Talvez não seja feita, talvez seja só ilusão. Ou talvez seja só de carne e osso, e sem humanidade, sem alma - ela existe? Talvez o próprio feito não exista...

A naturalidade da forma como me debato a mim mesma, faz-me filosofar sobre factos inexistentes... mas se eles não existem como posso filosofar? e se existem, de que são feitos? como somos feitos? quando, onde? E me pergunto intrigada: quando começou o principio, e o que ouve antes deste? Então, numa pressa, esqueço o cansaço e, finalmente, dou ouvidos á voz que existe dentro de mim, e que me pergunta: como tudo é feito... da mais gigantesca dúvida, até ao mais pequeno detalhe?




quinta-feira, 25 de outubro de 2012

A nossa história ainda não acabou



A tentação permanente que desenhas com os teu lábios se solta no infinito do inacabado. Em pânico te refugias no ser da essência e, como um acorde de guitarra, me falas bem alto sobre inocências e coisas deslumbrantes que vais descobrindo na tua vida. O amadurecer vai a podre; eu e tu somos assim, é o que dizes. E não quero acabar com tudo; e não quero, acima de tudo, que acabes, porque tu e eu ainda temos muito para escrever na fina linha da estrada da nossa história, que preenche vivamente o nosso futuro.